2 de março de 2015

Textos de Segunda - "...É como andar de bicicleta."

  "Você nunca esquece!", eu nunca esqueci, nem mesmo a sensação. Era uma tarde de sábado, eu descia a rua de minha casa enquanto pensava sobre os dias, os meus. Mal havia percebido como estava o tempo, se havia sol, nuvens, poças no asfalto. Nesse, como em alguns outros dias, andava sem controle, de certa forma, no modo piloto automático, e a reflexão se dava de forma descomunal. Já não habitava o meu cotidiano. No caminho, já próximo a entrada de minha casa, havia uma criança de mais ou menos sete anos, montado em sua pequena bicicleta, dando voltas pela rua com seus amigos. Isso tirou a poeira que cobria as minhas lembranças.
Meu pai sempre faz questão de me lembrar (principalmente nos momentos de fraqueza), vem e utiliza como artifício para me encorajar, o dia que passou me ensinando a andar de bicicleta sem as rodinhas. Relembra os tombos que tomei, as muitas lágrimas que derramei querendo desistir (na infância, tudo era motivo para lágrimas), e no fim, naquele belo fim de tarde, minha bicicleta (que possuía pintura de chamas) queimava o asfalto do caminho - minha rua, que de uma esquina à outra, nem chegava a ter 50 metros. Diante dos outros me sentia minúsculo, frágil, meu pai era um gigante, e o mesmo sentia em relação a minha mãe, mas naquele instante sentia que ganhava o mundo, que havia, em mim, a capacidade de fazer e alcançar qualquer coisa, qualquer sonho, qualquer desejo, bastava um pouco de inspiração, talvez um pouco de lágrimas, joelhos ralados e muita transpiração. Não sei precisar qual idade tinha, sei apenas que era um domingo, e me marcou.
Entender palavra escrita, saber reconhecer e interpretar os sinais, veio também, como outra conquista que me tirou do chão e trouxe uma nova e rica perspectiva. Novamente, minha pouca estatura e idade nada tinham a ver com o tamanho que eu sentia, ou o mundo que podia tocar. Aos 3, indo para os 4 anos, comecei a tecer minhas primeiras palavras escritas, e os livrinhos, gibis, os contos que meus pais liam para mim, agora poderiam ser "radiografados" pelos meus olhos e cantados pela minha voz. Tudo muito simples, sem precisar de fórmulas de bhaskara. E eu, "o mais feliz da vida".
Tem dias que amanhecemos meio nublados, algumas vezes essas nuvens se estendem por dias, semanas. Chegamos num ponto, onde as nuvens estão completamente carregadas, e por dentro, somos só tempestade. E de tão carregados, de tanta tempestade, transbordamos. E esse transbordar, é nosso corpo dizendo que tudo isso é muito. Transbordamos, irrigamos o nosso solo, limpamos nossas janelas. Transbordamos até a água ficar cristalina, até os vidros, os vitrais ficarem límpidos, até fertilizarmos o nosso peito. Daí, damos espaço para o sol. Flores brotam, belas paisagens tornamos enxergar, e os vitrais nos permitem novos espetáculos de encantamento. Crescer nos faz esquecer de dar importância às coisas "desimportantes". Tudo muito complexo, de dinâmica assustadora, pragmatismo mecânico, tudo muito frio. Que os temporais venham, lavem todo o mal. Mas nunca fechar as janelas para o sol. Que seus raios continuem a iluminar as coisas "insignificantes". Viver e saber o valor e a importância de cada estação.

Rogerio MirandaO Caminhante